quarta-feira, 27 de outubro de 2010

SOBREVIVENTE - Entrevista com Del Core

A revista italiana, dedicada ao vôlei, Pallavolo Supervolley, em sua edição de setembro, fez uma bela entrevista com a ponteira Antonella Del Core. Traduzimos e colocamos aqui embaixo, esperamos que gostem. Como já dissemos, essa revista é muito legal para quem gosta de vôlei, de uma forma geral. Eles falam de tudo, claro que com uma atenção maior para o que acontece na Itália. O site é www.pallavolo.org e lá dá para comprar a revista (sim eles mandam para o Brasil) ou até fazer a assinatura, se você for um doente por vôlei como nós duas.. ehehe.. tem também a versão digital, que é mais barata. Mas vamos a entrevista, feita por Isabella Mignani e com fotos de Fiorenzo Galbiati.

SOBREVIVENTE

Uma arritmia cardíaca a obrigou a renunciar as Olimpíadas a menos de um mês do início, temeu ter que dizer adeus ao voleibol. Depois, nasceu uma nova Antonella Del Core, vencedora e consciente. Pronta para jogar como estrangeira em Istanbul e para viver o primeiro Mundial de sua carreira.

Itália, quinta-feira 26 de agosto.
O despertador toca poucos minutos antes das 7. Apesar do verão, apesar do clima de férias não acabado, ainda muito presente, estico a mão na direção daquele “beep beep” infernal. Rolo para fora da cama para um encontro com aquele que um dia foi um tubo catódico. Aquele com o Grand Prix, aquele com a Itália escalada, assinada por Massimo Barbolini. Os reflexos azuis da tela invadem a sala. A Itália, essa manhã, enfrenta os EUA. Leio as formações, eu olho o Karch Kiraly como se fosse uma divindade a quem render uma homenagem. É um time farto em centímetros, de braços potentes, de defesas insanas. As “estreladas” são um osso duro, talvez ainda mais do que em 2008 em Pequim contra a gente. Brutas imagens, brutas recordações, dignas de esconder em algum lugar da cabeça. Nessa fuga dos pensamentos ruins, os olhos voam à nossa bandeira, àquela fila de meninas em azul, que lutam sempre como leoas. O olhar procura Antonella Del Core, o nosso personagem do mês, e não a abandona mais. Ação pós ação procuro a confirmação das palavras da nossa última conversa. A partida toma uma direção tudo menos positiva. As americanas no bloqueio são intransponíveis e, se alguma bola conseguia se infiltrar, Sykora era pronta para fazer uma defesa, sempre atenta. A derrota é sonora, uma lição de voleibol. O resultado, fora a desilusão, não nega o que digo de Antonella. Talvez a defina ainda melhor. Pode se transformar em outro combustível, guardado, para queimar na hora certa. O momento certo é uma janela que vai de 29 de outubro a 14 de novembro, no Japão. O momento certo, onde as lições aprendidas e metabolizadas hoje se tornarão úteis, é o Mundial 2010. Um encontro que esperamos, que queremos. Esperando mais do que nós, apaixonados, estão elas. As nossas “azzurre”. Antes de nós, está ela. Antonella.

Ela que, por mais que pareça mentira, um Mundial, nunca disputou. Ela que tem vontade de invadir aquela janela. Encarando e apontando direto ao topo do Mundo. “É um evento que faz parte do percurso desse grupo, não importa se é um ano par. Chegou o momento de acabar com esse tabu, uma pimentinha a mais para uma supersticiosa como eu. Eu acredito muito, se tudo correr bem, será o meu primeiro Mundial. Em 2002, ainda chegava à seleção, em 2006 fui uma das últimas cortada. Agora quero ir ao Japão, viver essa competição internacional. Sou sempre um concentrado de emoções, de desafios, comigo mesma, com os adversários. Não se habitua nunca a esse tipo de adrenalina. Quero experimentá-la ainda, fazendo parte desse grupo que tem como objetivo jogar o Mundial como protagonista. Estamos envolvidas por uma vontade de fazer bem, de vencer. Nesse grupo ninguém economiza. Na Itália tem muitos jogadores de nível. Ninguém te implora para jogar na seleção. A convocação, o seu nome na lista dos participantes, você deve conquistar, suar. Conta apenas aquilo que faz durante o ano, aquilo que faz nos períodos de treinamento, aquilo que pode dar ao time. Não encontrará uma de nós que não tenha fome. E o apetite vem aumentando. As vitórias não apagam, nunca, o todo. Tem sempre um lugar para a próxima. Esse grupo se forma sobre o divertimento e sobre a vontade de se sacrificar por um objetivo comum. O reencontro nos treinos, trabalhar duro por uma competição, nós adoramos.”
Sacrifício e diversão. Dessas duas coisas brota a determinação que se lê nos olhos das “azzurre”, mesmo nessa jornada errática, que teria muitos ‘porques’ ou álibis. “Não se preocupe, não teremos a crise dos EUA – nos tranqüiliza Antonella – devemos pensar na próxima partida. Encaramos esse Grand Prix com muita serenidade. Estamos em plena preparação, muitas de nós não deveriam nem estar aqui, se estamos é por força do regulamento. Tem quem não está no top da forma, quem deve gerir pequenas contusões. Tem tantas situações do jogo como equipe que temos que recriar, mas não vivemos nada de tudo isso como um problema, como uma desculpa. Vitórias e derrotas dependem do nosso jogo, daquilo que expressamos. Não devemos nos exaltar ou deprimir, em dois meses teremos uma outra identidade.”
Uma outra. Não uma identidade. E nesse sentido tem aquele caminho enquanto time, que Antonella falava no início. Essa seleção sabe bem quem é. O papel da bela inacabada não tem espaço nas malas esse ano. O espaço livre entre as joelheiras e a fita, entre o uniforme e o tênis é ocupado pela vontade de redenção. “Temos tanta, em cada uma de nós. Já demonstramos, antes de tudo, para nós mesmas, que sabemos levantar depois de uma queda. Estávamos na terra depois do Mundial de 2006. Não defendemos o título de 2002, como devíamos. Tínhamos nas costas as marcas do verão, os problemas com Bonitta, o pouco tempo que Barbolini teve para construir um time que desse jogo. Aquele era o ponto de início, o momento em que, pela primeira vez, acreditamos de verdade no nosso potencial, que nos demos conta que temos qualidade moral e técnica para ir longe. Teria sido um grande erro desperdiçar tudo, deixá-lo ir embora como água suja. Massimo começou a nos tratar como mulheres, redefinindo completamente a gestão do grupo. Nós reagimos como mulheres fazendo um 2007 espetacular. O título Europeu e a Copa do Mundo, o recorde de vitórias consecutivas. Quando caímos ficamos mal, como todo mundo, mas permanecer na terra não tem cabimento. Reagimos, nos levantamos assim que temos a possibilidade, essa é a nossa força. Depois das Olimpíadas de 2008, com tudo o que teve no meio, podíamos nos perder, mas vencemos outro Europeu e a Copa do Campeões. É como se guardássemos um tesouro. Um tesouro que não foi doado, que não caiu do céu, mas que foi conquistado com o nosso suor, com o nosso empenho. Devemos defendê-lo com todas as nossas forças, não existe sacrifício grande demais para esse tesouro. Aquilo que esperamos daqui a novembro é claro. O Mundial é um objetivo construído ao longo do tempo, desde quando Massimo expôs os objetivos da temporada e o método de trabalho. Quando chegamos ao retiro, não tínhamos muitos discursos a fazer. Nem com ele, nem entre a gente. Temos já uma boa visão do tipo de trabalho a executar, cabeça e físico já estavam prontos para recebê-lo. Sabemos que em volta da gente tem pressões diversas, que hoje jogar pela Itália significa assumir um outro tipo de responsabilidade, que quem está do outro lado da rede coloca entre seus objetivos nos bater ou jogar de igual para igual com a gente. Tudo isso não deve nos distrair, as quedas de concentração tem um preço muito alto a ser pago. A nossa força é o jogo em conjunto, precisamos de todas para vencer. O Grand Prix teve um bom nível, serão 4 ou 5 seleções que poderão lutar pelo título. Entre esses estamos também nós, temos alguns anos a mais comparado à alguns outros, isso também nos dá um estímulo a mais. Somos tudo menos indestrutíveis ou invencíveis, mas não por isso precisamos nos esconder, falar em voz baixa os nossos objetivos. Nós não damos desculpas para as derrotas, para os erros. Sobre isso, somos muito determinadas.”

Parece que voltamos aos anos 90, quando Velasco ligava a síndrome de Calimero ao movimento masculino italiano. O discurso de Antonella não tem desulpas, sua voz também não. A sua vontade de resgate é exposta, mostrada, revelada sem pudor. Tudo culpa ou mérito daquela Olimpíada. Negra, desastrosa, um soco na boca do estômago. As Olimpíadas, as de Pequim 2008, das grandes ausências. A de Aguero, mas sobretudo a de Antonella, fora de jogo por uma arritmia cardíaca a menos de um mês do início dos Jogos, sem ter tempo de efetuar a contra-análise. Uma mágoa por não ter visto a melhor Itália ficará para sempre, mas, se queremos continuar merecendo um olhar olhos nos olhos com Antonella, devemos prendê-la ali. Depois de tudo que foi dito, não podemos transformá-la em um álibi, em uma desculpa. Ela não merece, não é justo. Aquela Olimpíada, porém, é o seu renascimento. Falamos de quedas, mas aquela de Antonella era perigosa. O fato que hoje aquele número 15 ainda seja vestido por ela e que sua personalidade durante os minutos de jogo tenha crescido, faz com que ela entre, por direito, no clã dos nossos intocáveis. Não estamos fazendo um altar e acendendo velas, o que estamos escrevendo é uma outra coisa. É o respeito por um atleta, mas antes de tudo, o respeito por uma mulher que enfrentou e superou a tempestade. É como se fosse uma sobrevivente. “O problema – ela diz – não foi perder as Olimpíadas. Infelizmente, mesmo que você se prepare para um objetivo por quatro anos, pode acontecer. Basta que estupidamente torça um tornozelo. A realidade mais difícil que tive que lidar foi a de não poder jogar nunca mais. Experimentei aquilo que o lugar comum chama de ‘o mundo caiu na minha cabeça’”.

É como se de um dia para o outro tivessem roubado de Antonella não só seu uniforme, mas sua identidade. Freqüentemente escrevemos e lemos que ser atleta é uma escolha integral, uma atividade que começa quando você acorda. Você é um atleta por aquilo que come, pelas renúncias que faz, pelo repouso que concede ao seu corpo, todos momentos importantes como as horas de treino. “Me senti vazia, tudo aquilo que era estava desabando, não tinha nada que ficasse em pé. Forçadamente tinha uma Antonella sem o voleibol, sem treinos, sem tabelas, sem horários, sem regras com que devesse conviver. Uma Antonella que em alguns anos existirá, mas que ainda não estava pronta”. É um verdadeiro terremoto quando o futuro se torna o agora. “Antes daqueles dias, não tinha nunca pensado na minha vida sem o vôlei, no meu depois. Agora o faço, com extrema serenidade. Penso no depois, no como. Naquele verão não conseguia, não tenho medo de admitir que passei quatro meses de profunda crise. Naqueles momentos não sabe mais quem é. Não era mais solar e positiva. Eu era lunática, meu humor mudava freqüentemente, tudo era tão difícil de encarar. Naqueles momentos a minha força foi a minha família e o meu namorado”.

Eram deles as mãos a se apegar quando a areia movediça da alma puxava Antonella para baixo. Só eles eram capazes de lhe enxugar as lágrimas. E foram muitas. As vezes eram a única maneira de se expressar, ocupavam o lugar das palavras. “Não conseguia falar com ninguém, nem com as minhas companheiras, não conseguia dizer nada que tivesse sentido. Fui a Pequim encontrá-las e as encontrei com muita vontade de lutar, mas também perturbadas.”
Tudo isso ficou para trás. Ficou uma Antonella mudada. Por força maior. “A minha visão do voleibol é muito diferente. O vivo com o mesmo empenho, com a mesma paixão, porém, sabendo que a Antonella não é só o vôlei. Que existo também sem ele, que tenho uma família forte em quem devo pensar mais freqüentemente, que devo sentir e viver com mais intensidade. Tudo isso tornou quase fácil jogar voleibol. Tudo aquilo que não é diretamente jogo, eu vivo com mais delicadeza, as pressões me perturbam menos. Com certeza o mais difícil foi ver minhas companheiras começarem um campeonato sem mim, acompanhar da tribuna pelos primeiros meses da temporada. Esperei por aquela autorização com tudo de mim, depois dei tempo para reencontrar o ritmo de jogo, para administrar a tensão de um jogo. Reencontrar a forma física foi o passo mais fácil”.

Depois das lágrimas tristes de agosto, tem tempo para aquelas mais leves. Depois da dor, chega o momento da alegria esportiva para Antonella. O primeiro sucesso, que acaba com qualquer dúvida sobre o seu valor, foi a Champions League de 2009.Era uma vitória, mas Antonella não continha as lágrimas. “ Foi a primeira vez que chorei depois de vencer um jogo. Foi realmente uma liberação, o momento de exorcizar todos os fantasmas”.
Fechado com um cadeado, grande como o coração de Antonella, que quis esquecer as dores daquele verão. Antes da forma, a atacante da seleção azzurra, reconstruiu o seu caráter, definindo seu modo de ser. Teve o tempo para a raiva. Depois o esquecimento. Perseguiu a ausência de recordações até quando esse era um espectro de dor. Na sua memória resta apenas a certeza que aquela experiência será a base sobre a qual se constrói a próxima reação. Um pouco como quando depois de cometer um erro em uma partida pensa na ação seguinte. Na próxima bola, Antonella consegue pensar, agora, com a mesma lucidez com que descreve o grupo azzurro, o porque conquistaram tantas vitórias, que antes pareciam distantes. Os créditos da partida com os EUA estão correndo. O resultado tem um sabor amargo e severo, as palavras de Del Core não causam alarde: o valor desse tesouro é claro, também para a gente. O olhar do nosso personagem não está desalinhado. Nunca. Com o suporte da coragem que tem, que não a faz pensar nunca que os resultados estão já escritos. “Nem no negativo, mas sobretudo nunca no positivo. A Champions League vencida pelo Bergamo, há poucos meses, foi o último ensinamento nessa matéria. Nunca pecar por presunção. Te tira energia, a capacidade de reagir ponto a ponto, reagir em uma situação mais difícil do que aquela que imaginou. Foi isso que aconteceu com o Fenerbahce na final. Quando chegamos a Cannes, sede do Final Four, a cidade estava cheia de manifestações do time turco. Para eles a copa já havia pego o vôo para Istambul, tinha foto das jogadoras, palavras de agradecimento. O final, porém, foi bem diferente. A copa vencemos nós, a venceu mais uma vez o Foppapedretti. Aquelas manifestações foram o fundo perfeito para as fotos pós-jogo. Os nossos sorrisos eram ainda maiores”.

Uma derrota que, a julgar a campanha feita pela Fenerbahce, é bastante difícil de aceitar.
Del Core, ano que vem, será também adversária no campeonato com a blusa do Eczacibasi.
“Estou a procura de novos estímulos. No final da temporada estava muito indecisa, por um lado tinha a vontade de ficar em Bergamo, por outro aquela de sair naquele trem que dizem só passar uma vez. Para tirar cada dúvida recorri a Gioli, que contou como cresceu o profissionalismo dos clubes do exterior. Uma organização que logo percebi no meu clube, que coloca a disposição das jogadoras casa, comida, que tem um ginásio próprio. Em suma, tem uma organização de empresa. No meu time reencontrarei Jenny Barazza (não sabia ainda que estava grávida) e pela primeira vez viverei a experiência de ser estrangeira, de ter sobre mim o olhar dos torcedores e o peso das expectativas. Terei o dever de ser aquela que faz a diferença. Nada disso me incomoda, nem mesmo a distância. Entre eu e meu namorado ou minha família, tem um vôo de distância. Vou a Istanbul, uma cidade belíssima para jogar voleibol, não me pedem nada daquilo que não saiba fazer. Muda a panela, mas o caldo continua o mesmo”. Só com um perfume de mais especiarias.


QUEM É ANTONELLA

Antonella Del Core nasceu em Napoli, em 5 de novembro de 1980, e joga como atacante no Eczacibasi Istanbul, na Turquia. Nas últimas duas temporadas vestiu a camisa do Bergamo, antes jogou no Perugia, Pesaro e Napoli. Venceu 1 campeonato italiano (Perugia 2007), 3 Champions League (Perugia 2008, Bergamo 2009,2010), 1 Copa Itália (Perugia 2007), 2 Copa CEV (Pesaro 2006, Perugia 2007) e 1 Supercopa (Perugia 2007).
Com a seleção estreou em Brema em 7 de janeiro de 99 (Itália- Cuba juniores 3-0) e venceu 2 europeus (07/09), uma Copa do Mundo (07) e uma Copa dos Campeões (09). Participou das Olimpíadas de Atenas em 2004, terminando em 5º lugar.

3 comentários:

  1. Ela não participou do Mundial 2006? Tinha quase certeza que sim.
    Eu pensei que ela tinha ficado fora de Pequim por ter um problema de circulação na mão.
    Ou como falaram que ela foi pega no Dopping

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  2. Não...infelizmente foi bem mais sério q os boatos q inventaram..ainda bem q acabou tudo bem.

    No mundial 2006 as ponteiras eram Piccinini, Rinieri, Secolo e Fiorin

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  3. Na verdade a outra ponteira era a Ortolani e não Secolo.
    Com Togut e Centoni de opostas.

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